Pendurados em cordões, em praça pública, ou em instituições; na internet circulam em infinitas proporções, esse é o cordel. Possivelmente, o trecho inicial deste texto tenha surgido como rima para aqueles que o leram; não nego minha intenção ao dizer que seria um prazer escrever esta resenha em sextilhas rimadas. Porém, deixo de lado os versos e estrofes para abrir espaço à uma prosa que contempla aquilo a que tanto tenho apreço: o cordel. Ademais, escrevo aqui sobre uma obra que chega, não somente para contribuir com a produção literária tocantinense, como para incentivar os jovens cordelistas do estado à escrita do cordel, sobretudo as mulheres, que infelizmente ainda ocupam pequeno espaço nesse cenário literário.
Primordialmente, a obra Cordéis de Duas Tocantinenses de autoria das colegas e estimadas amigas Elisama Castro de Oliveira e Ana Karolliny Araújo Freitas, foi idealizada ainda em 2019. Entretanto, a tão esperada publicação como e-book (livro digital) tornou-se realidade apenas em novembro de 2020, em parceria com a Editora Espaço Acadêmico, de Goiânia. O lançamento oficial do livro ocorreu na II FLUA - Feira Literária da UFT de Araguaína, que este ano foi intitulada “Travessias em tempos de incertezas”. O evento artístico-cultural aconteceu de modo remoto, via Google Meet, em novembro deste mesmo ano. Além disso, as autoras, estudantes de Letras nessa mesma universidade, contaram com o apoio e organização do livro das professoras Dr.as Eliane Testa e Danielle Mastelari; o prefácio foi destinado ao amigo e excelentíssimo Professor, também vinculado à mesma universidade, Dr. Francisco Edviges Albuquerque.
Dedicado àqueles que amam a literatura de cordel, tal como as autoras relatam na obra, Cordéis de Duas Tocantinenses é um livro que surgiu a partir de um projeto de extensão na Universidade Federal do Tocantins, intitulado “Cordel Roda Em Araguaína”, idealizado pelas professoras outrora citadas. Segundo matéria divulgada no site da UFT (2020) o objetivo inicial do projeto era espalhar a literatura de cordel, de maneira presencial, por diversas áreas de Araguaína. Entretanto, com o surgimento inesperado da pandemia ocasionada pelo Coronavírus, que iniciou-se em março deste mesmo ano, os planos de Elisama, Ana Karolliny e professoras foram alterados; dessa forma o grupo organizou a circulação dos cordéis de maneira online por meio de redes sociais e nas plataformas da web. Nessa perspectiva, ocorre o surgimento da obra, com intuito de divulgar em meios digitais e através da literatura de cordel, diversos problemas sociais, e as mazelas enfrentadas por diferentes grupos em meio ao cenário pandêmico no qual estamos.
Ademais, a obra é composta por diversos cordéis, estes quase que em sua maioria relatam problemas sociais existentes no Brasil. Sob o mesmo ponto, tais impasses, por consequência, foram agravados pela pandemia do Coronavírus, fato este que gerou diversas outras implicações; estas muito bem descritas pelas autoras. De início, somos apresentados a Covid x Povos Indígenas, um texto que chama a atenção pela sua atualidade; falam dos problemas sofridos pelos indígenas em meio a pandemia, e para contextualizar alguns fatos, esclarecem acontecimentos históricos pelos quais esses povos passaram. A leitura deste cordel é leve e fluída, uma verdadeira viagem pela história dessa população que tanto sofreu com a chegada dos europeus, e sofre até os dias atuais com as atitudes dos descendentes dos povos vindos do velho continente.
Em sequência, Elisama e Ana Karolliny escrevem sobre um fato chocante, ainda relacionado à pandemia a qual enfrentamos. Porém, desta vez, relatam o sofrimento passado pelas mulheres nesse cenário de isolamento social; entre versos e rimas escrevem Mulheres x Pandemia, cordel que descreve com agilidade e sagacidade todas as complicações enfrentadas pelas mulheres nesta perspectiva. O cordel retrata fatos que ocorrem há décadas, e que agora, piores se encontram em decorrência de todas as mudanças ocasionadas pela Covid-19; tanto quanto, com o insistente machismo estrutural que é enraizado no comportamento das pessoas, e resultante do patriarcado que está, infelizmente, nas entranhas da sociedade.
Seguindo com os cordéis, somos apresentados a Juntos Contra o Corona, texto que informa, avisa e critica diversos pontos em relação à Covid-19. Em estrofes muito bem delimitadas, as autoras esbanjam conhecimento ao descrever com destreza questões de grandíssima importância para a população, fato este que reitera a função social da literatura. Portanto, as autoras mostram que há diferentes formas de usar a literatura de cordel, e que todas têm de alguma maneira um propósito social. Este fato ilustra bem a ideia do famoso crítico literário Antonio Candido, quando o autor fala que “A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.” (CANDIDO, 2011, p. 182). Assim como Candido, Elisama e Ana Karolliny veem a literatura não apenas como um objeto ficcional, mas como um instrumento que possibilita às pessoas a buscarem por níveis jamais alcançados de igualdade social; afinal, na literatura pode-se encontrar a solução para diversos problemas que cercam a nossa sociedade, e o cordel pode e deve ser usado com esta finalidade.
Continuando com os cordéis, Elisama e Ana Karolliny escrevem agora sobre algo que, mais do que nunca, faz parte da essência delas mesmas. Escritoras, estudantes, mulheres, esta ultima afirmação, por início, as deixam atrás na corrida pela valorização, pois a sociedade trata-as com desdém desde os primórdios da existência humana; entretanto, as autoras explicam bem na poesia o real Valor da Mulher; valor esse que não pode ser definido em poucas palavras. Esse que é um dos maiores cordéis da obra, é produzido como um “duelo” — percebe-se que a inspiração vem de vivências próprias —, afinal a realidade é esta, abastada de preconceitos, discriminações, termos pejorativos; no entanto, as mulheres sabem dar a volta por cima, e as tocantinenses mostram muito bem isso. Nesse cordel podemos analisar uma linguagem crítica, que denuncia um problema, e mostra a solução, e novamente isso vai de encontro ao pensamento de Antonio Candido, quando o crítico diz que “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.” (CANDIDO, 2011, p. 177). Em outras palavras, Candido diz que a literatura é uma ferramenta de humanização, ela viabiliza às pessoas a possibilidade de terem um pensamento crítico, tornando-as mais donas do próprio saber.
Por certo, o cordel, outrora, era objeto do Nordeste, apesar que espalhou-se por outras regiões, e na atualidade está em diversas partes do país; ele é usado para expressar inúmeros assuntos, tal como vemos em Cordéis de Duas Tocantinenses. Nesse sentido, encaminhando à parte final da obra, lemos dois cordéis que falam sobre as queimadas, são: Palavras de Um Sabiá e Mundo Encantado; todavia, como há de se imaginar, as poesias escritas carregam um tom lúdico, leve e bastante envolvente; embora, sejam chocantes. Nesse momento, a obra parte para uma linguagem ainda mais incisiva, que em meio ao enredo fantasioso, denuncia um problema que, infelizmente, permeia por diversas partes do Brasil.
Por fim, lemos Uma Maria das Marias, cordel que chega para reiterar um assunto bastante presente na obra: a mulher. O enredo desta última poesia trata veementemente das complicações sofridas diariamente pelas mulheres em relação às agressões domésticas. Outrossim, podemos perceber, que esta produção conversa com outras anteriores; e isso não se limita a esta poesia; afinal, em toda a obra podemos compreender um diálogo entre cordéis. Contudo, entende-se a intenção na escolha desta poesia para fechar o projeto, pois é preciso lembrar que são duas autoras, mulheres, poetisas, cordelistas, tocantinenses; uma minoria no cenário da poesia popular no país; é preciso sempre reiterar que quanto mais abrirmos espaços como este, um livro, para mulheres escreverem, teremos ainda mais riquezas literárias surgindo, não só na literatura de cordel, como no romance, conto, poesia livre, em todas as áreas.
Quando se fala em literatura de cordel, imaginamos o sertão, Maria Bonita e Lampião; folhetins e o Nordeste; jamais o Tocantins. Todavia, a perspectiva é de mudança, obras surgem e fazem a diferença, espalham a cultura e incentivam os criadores. Afinal de contas, o cordel roda não somente em Araguaína, roda ainda em Darcinópolis, em Filadélfia, roda em todo o Tocantins e no Brasil inteiro; com poetas ou poetisas, e sempre com cordéis que conversam com os leitores, levando-os à viagens pelos inúmeros acontecimentos históricos no país em relação aos indígenas, às mulheres, às queimadas, o sofrimento e as alegrias. Por conseguinte, em Cordéis de Duas Tocantinenses podemos ver um pouco disso, do talento desse povo que não se deixa abater por qualquer coisa. Dessa maneira, os leitores podem perceber que esta obra não é simplesmente uma coletânea de cordéis, e sim, um objeto crítico que faz refletir e repensar acerca de acontecimentos e atitudes condenáveis, que infelizmente não se dissiparam com o passar do tempo. Além de todas as referências que instigam à leitura, o livro é repleto de incríveis ilustrações de Ana Karolliny, que nos ajudam a mergulhar nos versos e rimas. Infere-se, portanto, que esta obra não pode se perder, ela deve ser usada sempre como referência de resistência, luta e incentivo à literatura popular.
REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011. MACEDO, Poliana. Projeto “O Cordel roda em Araguaína” divulga textos produzidos nas redes sociais. Universidade Federal do Tocantins. Araguaína, 16 set. 2020. Disponível em: https://ww2.uft.edu.br/index.php/ultimas-noticias/27903-projeto-o-cordel-roda-em-araguaina-divulga-textos-produzidos-nas-redes-sociais. Acesso em: 23 dez. 2020. OLIVEIRA, Elisama Castro De; FREITAS, Ana Karolliny Araújo. Cordéis de Duas Tocantinenses. 1. ed. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2020. 100 p. Disponível em: http://editoraespacoacademico.com.br/product/e-book-cordeis-de-duas-tocantinenses/. Acesso em: 23 dez. 2020. |

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🥺😍😍😍😍😍😍😍😍
ResponderExcluirEsse poeta escreve bem rimando e proseando💜⚜️ Muito obrigada, meu amigo💜💜
Eu que agradeço pela oportunidade de escrever sobre essa obra lindíssima❤️
ExcluirGente, esse menino não existe. 😍😍😍 Obrigada poeta, vc realmente falou tudo que buscamos ofertar com a nossa escrita. Que texto lindo, muito emocionada e sem palavras. Obrigada mesmo!!!😍 Que bom seria se todos os amantes da poesia também colocassem através da caneta suas vontades e revoltas. Somos gratas pelo lindo texto. Quão maravilhoso vc é 😘😍
ResponderExcluirAaaa! fico muito feliz com teu comentário!❤️ Novamente, eu que agradeço, foi um prazer ler e escrever sobre esse livro maravilhoso ❤️❤️🥰
ExcluirQue felicidade poder conhecer a obra através de uma apresentação perfeita, que emociona. Eu já não via a hora de ler o livro de minhas queridas cordelistas e agora, o desejo aumentou em muito. Parabéns, Guilherme! Você escreve com técnica e emoção.
ResponderExcluirMuito obrigado, professora. Este comentário muito me incentiva, fico muito feliz, e que esta resenha possa levar mais pessoas a lerem a obra.❤
ExcluirParabéns
ResponderExcluirMuito obrigado!❤
ExcluirMuito bom!����
ResponderExcluirMuito obrigado💕
ExcluirTalento incrível! Meu poeta preferido ♥️
ResponderExcluirObrigadooo, meu amor!❤️❤️
ExcluirMaravilhoso demais. Parabéns, tu é incrível!❤️❤️❤️
ResponderExcluirObrigado, minha linda. Fico muito feliz!😍😍
ExcluirSimplesmente perfeito, tá incrível, parabéns ♥️
ResponderExcluirObrigado, linda!❤😍
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