UMA CARTA AO SÍNDICO - Crônica

Guilherme Silva Vanderley
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Photo by Jonas Kakaroto: https://www.pexels.com/photo/city-crossing-road-traffic-2674420/

Estava tão perto das nuvens, poderia tocar as estrelas, em um pequeno salto chegaria ao espaço. Por outro lado, a ventania vinha forte em meu rosto, que ardia, meus olhos se fechavam, mas eu tinha medo de cair, embora esse fosse o plano, aquilo que me fez subir. Em dado momento, lá do alto, lá onde eu tudo conseguia ver: os prédios, as casas, os rios e as pessoas. Estas, percebi que pareciam pequenas, quase invisíveis, assim como eu. Formigas andando para lá e para cá, como se não tivessem uma direção delimitada ou algo que as guiasse. Achei engraçado, imaginei até ser o único que pensava naquilo, "deveria mesmo cair em cima de uma dessas formigas inquietas que não são mais importantes do que eu", foi o que pensei.

Naquele instante, em um ímpeto de coragem tresloucada, me coloquei frente ao parapeito, me inclinei para olhar e senti um calafrio que vinha da espinha para o topo da cabeça, esta que pensava se eu sentiria ou não uma certa dor que não seria nada interessante. Uma pena, não tive coragem, quando, lá embaixo me avistei andando como uma delas, sem direção, sem rumo, apático. Eu era uma formiga no alto de um arranha-céu e se caísse o ar me faria flutuar levemente até o pouso frustrante no chão, onde eu continuaria andando como uma delas. Depois de perceber tal deprimente fato, me encostei de cócoras ao lado daquela parede de concreto que me impedia de cair, não chorei, apenas respirei fundo mais uma vez.

Levantei bruscamente, procurando em mim aquela impensada coragem que outrora surgiu na ideia de cair outra vez. Não  a encontrei, naquela noite ou nas outras muitas antes dela, afinal sempre tive livre acesso àquele prédio no centro da cidade, em qualquer horário, de qualquer dia, o ano inteiro. Fui lá muitas vezes buscando a tal coragem de cair. Contudo, agora, enquanto penso sobre como seguir as linhas desta crônica, percebo que em uma noite dessas, nas quais eu sentia um vazio que preenchia-se de pensamentos suicidas, eu poderia ter encontrado aquela coragem, que sempre não surgia, teria eu caído lá do alto.

Portanto, devo avisar ao síndico daquela alta montanha de concreto, avisar que a sua segurança é falha, que o porteiro, aquele senhorzinho, que nem ao menos me questionava se eu era mesmo um morador, estava muito velho para o trabalho. Devo avisar também que acima do parapeito devia haver uma grade alta e de muita resistência, que pudesse resistir aos mais loucos pensamentos suicidas e às coragens surgidas em momentos de dor. Deveria eu avisar, além disso, que os altos edifícios são um convite ao suicídio, mesmo que lá de cima a vista seja tão linda. Bem como, lá do alto, tão perto das nuvens poderiam até tocar as estrelas e em um pequeno salto chegar ao espaço.

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