
Eram duas ou eram cinco ou eram mais estrelas no céu escuro que eu pouco via pela pequena brecha no teto sujo daquele ônibus pequeno. As luzes dos postes que passavam ao lado na estrada cobriam os meus olhos, ora abertos, ora fechados, e situavam-me em um filme trágico dos anos que não vivi. As vozes baixas, por vezes altas, que ecoavam por ali eram quase sobrepostas por um barulho grave do atrito das rodas com os buracos fundos daquela estrada no meio do nada. As folhagens que passavam rápidas, ao meu ver, eram escuras e tenebrosas, semelhantes às pessoas mortas andando em um purgatório.
Purgatório, no qual eu estava sentado, encostado naquela poltrona igualmente suja, empoeirada, repleta de outras costas ali encostadas durante o dia, durante a noite, durante dias, durante meses e talvez durante anos, não sei. Era um cenário frio em meio a tempos mortos, no qual não encostam em nada, para que o nada não seja o destino de todos. Contudo, eu continuava a olhar as estrelas, que eram poucas, mas que brilhavam como tantas, não demorou e o tempo frio que se mostrava surgiu em formato de água, que em finas gotas caiam sobre o teto sujo daquele ônibus pequeno.
Pequeno também era o espaço por onde eu as via, mas com a chuva que molhava o interior daquele automóvel, até mesmo o pequeno espaço que eu tinha para olhar para elas se fechou e nada mais me restava, a não ser as vozes que ecoavam me dizendo coisas, das quais eu não gostava. Embora, nesse momento, no interior daquele ônibus pequeno, no interior daquela estrada largada, daquela cidade que atrás ficava, no interior dos meus melancólicos pensamentos, ainda restavam resquícios de uma poesia que não escrevi.
Escrevi poemas a vida inteira, sobre luas, sobre o sol e sobre as estrelas. Todavia, me tiraram a visão do céu, onde estão os meus encantos, as minhas dores, as minhas paixões e os meus amores. E logo a chuva, a quem tanto adoro, me tirou quem tanto amo, porém, não desisto. E, portanto, fechei os olhos para ver as estrelas dentro de mim, imaginando naquele instante, que as luzes que no céu estavam, brilhavam para outros, em outros cantos, em outros tempos, melhores que esse, no qual escrevo um dia depois que vejo as estrelas.

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lindo 👏🏻
ResponderExcluirMuito obrigado!❤️
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