ESSE É UM TEXTO CORAJOSO - Crônica

Coragem, o que de fato ela é, não sei. Falo sério, não sei do que se trata. Essa tal coragem a qual tanto falam, não sei mesmo. Mas dizem que tenho muita coragem. Eu não sei se é verdade o que dizem, mas eles dizem e dizem muito. Deve ser verdade, e por que não? Eu sou mesmo um poço cheio de coragem, transbordando coragem, eu posso até lutar num ringue, pular de paraquedas, eu posso tudo.

Coragem, rapaz. Não desista! Ora, nem pensei em desistir, nunca quis desistir, por que então me pedem tanto para não desistir. Tenha coragem. Imperativo. Sempre há ordens que devem ser seguidas, como um parágrafo após o outro, e um texto após o outro e um título após o outro, e um sorriso e um choro e um beijo e um abraço e um após o outro. Em ordem!

Coragem no escuro que me cega, coragem na altitude que me tira o ar, coragem na rua que me acelera, coragem para ter coragem. Todo mundo é tão corajoso: meu vizinho tem coragem para viver ao lado de um escritor, mal sabe ele que a palavra é uma arma e que o poeta é um assassino, que mata a todo instante um pouquinho de si.

Coragem para escrever um texto sem pé nem cabeça. Que ninguém o leia, que ninguém o critique, que ninguém nunca possa estudá-lo, que se apague na memória e na história, que não seja jamais lembrado. Coragem para pedir o esquecimento de si mesmo e da única coisa que o define, que o difere, que o alimenta, que o protege, como protege um penhasco a vida de um suicida.

Coragem para mentir tão descaradamente ao próprio público, tolos. Enfim, um texto corajoso, um texto mentiroso, um texto como outro, que nada faz, que nada tem, que nada é. Sério mesmo que até agora, beirando os fins de mais um texto, não percebes que ele é sobre o oposto. Coragem mesmo é não ter coragem, ou ter coragem o suficiente para ser não mais que um medroso?

Coragem, responda!

Este obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição - CC BY-NC-ND 4.0.