AFINAL, O QUE VEM DEPOIS DA LAMÚRIA? - Resenha

Guilherme Silva Vanderley
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Photo by @fernanda.dealcantara

Seria subversão exaltar o passado em versos que contemplam uma coletânea de outros versos que carregam e são carregados por um título tão a frente? O depois do agora ou o depois do que se passou há muito tempo? Depois da Lamúria, da lamentação que a poesia nos permite em versos longos ou curtos exprimir e imprimir um novo jeito de sentir uma dor. Uma disputa acirrada entre o agora e o amanhã, entre a queda e o ressurgir, morrer e renascer, uma vez mais. O amanhã, como dizem, é um novo dia. Juntamos os cacos do que restou de nós.

Esses são os primeiros pensamentos que tive com a leitura de "Depois da Lamúria", primeira obra de poesias de Fernanda de Alcantara, escritora tocantinense que, em 2011, já havia publicado “Srta. Fê: Uma Contadora de Histórias em Busca de Pontos e Mais Pontos de Vista”. Já em 2022, pela Le Coq Editora, a autora navega pela poesia em versos assimétricos e cativantes, ora envoltos em rimas imediatas, ora libertas de qualquer aspecto formal.

Ao longo dos 28 poemas é possível viajar pelos pensamentos e pelas reflexões abastadas de melancolia e de esperança. Em versos que afogam, mas, que também salvam. Desse modo, apresentando ora um relato, ora uma utopia e, por vezes, um sintoma de romantismo, a obra vai se desenrolando em criatividade com versos cada vez mais destoantes entre si. Essa, de fato, não é uma obra para quem busca poemas certinhos e enquadrados em uma só forma.

Nesse livro, você verá como são os queixumes que nos atormentam, que nos importunam, que em um dia desses nos fazem perder a cabeça. Aqui, não mais o pensamento deixará de ser o que virá depois da confusão que o peito cria, que o coração consente, que a mente esconde e que os olhos não conseguem mais ver. Um, dois ou 1000 devaneios por segundo. Reflexões em um mundo cheio de querer, dentro do que somos e queremos ser. Pensamentos que um dia de chuva traz da leitura quente, de uma obra feita no calor de um sol amarelo, escaldante.

Um sol que pede e clama pelas águas de um rio, fria, congelante. As águas que limpam em meio à sujeira que há em cada pensamento. Essa sujeira que há nos pés de quem brinca de se apaixonar mais uma vez, sem medo de querer, sem medo de tentar. Em um carnaval de sensações, de renovação, de ressurgimento, um barulho de trombetas que pedem um depois. E a cada passo que se dá, um novo pedido é feito. Que a vida seja boa, que os perigos não sejam mortais, que a sorte acompanhe, que o passado seja lugar de reflexão.

Dessa maneira, os poemas seguem, trazendo à baila até a beleza de uma flor de plástico, mesmo morta, sem perfume, sem valor. Uma Rosa sem espinhos, sem medo, sem dor. Seria tão fácil e tão morno ser de plástico. Não ser jamais decomposta. Contudo, o querer é algo complicado, é o efêmero que perdura, é o medo de perder, é a coragem para crer, é saber que o que se tem não se quer mais. E como lidar com aquilo que não queremos, mas, amamos? E nos perdemos, às vezes, entre os versos da poesia, entre os pensamentos e o labirinto deles. Afinal, o que vem depois de mais uma dor? Qual é a próxima notícia no jornal? E quantos mais irão em mais uma dessas poesias?

Não temos as respostas, não tentaremos descobrir na fruição de mais um poema. Pois, escrever uma poesia ou uma coletânea delas é, de fato, firmar um pacto. Com os periquitos e com nós mesmos. Não há espaço para arrependimento, embora lá eles estejam. Assim, em cada nova nota que faço e enlaço nas poesias que leio, vejo que mais uma estrofe quase correspondida, quase que possuída, passou voando de repente, como uma serpente no pescoço que enrola e sufoca e sufoca cada vez mais. E faz o ar não ser mais uma possibilidade. Pedindo somente uma aliviada, mas com os olhos tapados, não há mais regras a seguir. Nem nas formas, nem no estilo, nem mesmo nos versos decassílabos que aqui pouco importam.

E lá se foi mais uma página virada, mais uma poesia lida, sentida e não interpretada. Desse modo, é eterna aquela que em desgraça se faz bela e apaixonada. Às vezes, a beleza da poesia se faz pela mancha e pela dor que o sangue deixa. Assim mesmo, em desencanto, sem reticências. Sem mais interpretações na alma da poetisa. Na metalinguagem, no sentido restrito, no querer sem medida, há poesia na lágrima, há poesia na cor, no passeio no parque, em cada peça da vida.

Nos versos abstratos, com palavras abstratas, seu desapego em sinais não se mostrou novidade. Reiterou-se. Eles estão por toda parte. Refletindo sentimentos, vontades e anseios, assim como um espelho, que reflete face a face, cada detalhe. Aqui, as poesias são a mais plena celebração. E o que, de fato, restou ou surgiu Depois da Lamúria?

Somente lendo é que saberá.

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5Comentários

  1. Muito boa essa resenha. Parabéns pela análise e sensibilidade em decodificar poesia.

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  2. Uma resenha poética de um sensível leitor de poesia

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