
Desculpa, Paulo Freire, não tenho tempo para a educação, tenho um relatório para entregar na segunda-feira. Não o de segunda, mas o de sexta-feira, que permanece atrasado. Aquele que surgiu no sábado passado – isso, fora do expediente – já entreguei. Fiz assim, meio às pressas, pois tinha outro, do início do mês, um relatório pedagógico, sem ao menos pedagogia, do oprimido sem autonomia.
Todo dia, a mesma história: a correção de cada estória, a gramática, a progressão e a estrutura. O cansaço vale a pena, vale mais que uma prova: dez questões objetivas objetificam o saber, encapsulam, enquadram, engavetam. Assim é mais fácil. Corrijo todas em uma hora. Não sei a origem, não sei o desempenho, na verdade, nada sei. Jogo meses no vazio do desconhecimento.
Porém, aprendi na faculdade que é o texto quem manda. Nele, posso ver a ortografia, a pontuação, a acentuação, a sintaxe e a morfologia. No texto, eu posso tudo e, ao mesmo tempo, nada posso. Posso dizer um não dito, posso não dizer tudo aquilo que já existe. Posso inventar estórias, palavras e poesias. Posso me colocar num poço sem fundo e, de lá, sair voando.
Mas, onde mora a criatividade que antes me consumia? Por onde andam as poesias que outrora me definiam? E os cordéis? Esses sumiram de vez. Agora, sou de fato um professor, com “p” maiúsculo e salário minúsculo. Dezenas de relatórios para entregar. E ainda estou aqui, entre o lançamento de algumas notas, algumas frequências e alguns planejamentos. Escrevendo!
Hoje é nosso dia. Dia daqueles que enfrentam a opressão, que lutam pela autonomia, que ensinam a qualquer custo. Mesmo sem o mínimo, sem o básico. Taxados de lá e de cá, por todos e a todo instante. Não sei quando volto a escrever. Não, digo escrever de verdade, pois relatórios tenho toda semana.
Há quanto tempo comecei a escrever este texto? Meses.

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